quarta-feira, 27 de maio de 2009

Alma dividida


Não vivo a vida que sonho, mas, canto a vida que vivo. Minha alma é como uma página dividida em duas metades, com duas sinopses distintas. Cada metade é uma vida: Uma vida é a que sinto, a outra é a que consinto. Sobrevivo dividido, entre as duas metades, uma sou eu, a outra, depende das manhãs, quando pergunto ao espelho: - Quem és tu, hoje?
Mestre Zuh

domingo, 24 de maio de 2009

Sua excelência, o “Espinheiro-de-casca-branca”.


No reino dos vegetais,
Conta o velho testamento,
Que à margem dos animais,
Na floresta houve um momento
Que as arvores maiorais
Promoveram um grande evento.

Eleger um novo rei
As árvores anunciaram,
E o projeto virou lei.
As plantas se prepararam,
Os detalhes eu não sei,
E as campanhas começaram.

Convidaram a Oliveira:
- Sobre nós venha reinar!
- Ora, deixe de besteira -
Respondeu sem vacilar:
- Ouça bem, minha parceira,
Pois vou ter que recusar.

Para Deus glorificar
Minha essência é consumida,
Como posso renunciar
A função da minha vida
Pra vocês ir comandar,
Se pra Deus sou bem servida?

Intimaram a Figueira:
- Vem governar sobre nós?
Mas ela, sem brincadeira,
Engrossando bem a voz:
- Estou fora, companheira,
Dessa casca de arriós.

Eu não vou renunciar
Minha essência que é doçura,
Mesmo sendo pra reinar
Com coragem, com bravura.
Só me resta rejeitar
E esquivar dessa loucura.

Mas as árvores teimaram
Na eleição da realeza.
As florestas percorreram,
Sem cansaço e sem moleza,
Toda planta convidaram
Se não Rei, então princesa.

Mas um sopro de esperança
Na Videira floresceu:
- Vem reinar com temperança,
Que o poder será só seu! -
E a Videira, sem lambança,
Descartou o caduceu.

O governo que merece,
Cada povo tem o seu.
Se o certo não oferece,
Aparece um fariseu,
E o povão é quem padece
Nas garras de um pelebreu

Pois aconteceu no céu
Que a terça parte dos anjos
Arrastou o cetro ao léu
E o comando dos arcanjos
Sofreu imenso labéu,
Pondo a Deus em desarranjos.

A ambição é corrosiva,
É a natureza do Diabo,
Que na sua guerra impulsiva,
Só com a ponta do rabo,
Uma parte relativa
Dos anjos ele deu cabo.

E as arvores sem alteza,
Sem comando e direção,
Imolavam a realeza,
Dos votos abrindo mão,
Se entregando na incerteza
Aos cuidados de um mandão.

O espinheiro-casca-branca
- O terror de todas ervas,
Por temerem sua carranca –
Recebeu-as sem reservas:
- Aceito e não boto banca,
Mas serão as minhas servas.

Se de fato serei rei,
Fiquem sobre o meu abrigo,
Do contrário queimarei
Quem se indispuser comigo.
Dessa forma reinarei,
Sem dar folga ao inimigo.


Meu comando não tem fim,
Complacência ou abano.
Do fogo que sai de mim,
Até os cedros do Líbano
Queimarão como capim,
E chorarão o seu ládano.

Meus amigos companheiros,
Lá no congresso é igual,
Temos muitos espinheiros,
Vejam tudo no jornal.
Éum bando de embusteiros
Que se passa por legal.

Mas se eu não fui votar,
Exercer o meu direito,
Como posso reclamar,
Se votaram num sujeito
Que só sabe arrebanhar,
E eu deixei que fosse eleito?

Dessa forma os vegetais,
Prisioneiros e oprimidos,
Acolheram o castigo,
Por não serem destemidos,
Exercendo os seus direitos,
Não votando nos bandidos.

Companheiros ouçam bem
O que agora vou dizer.
Logo chega a eleição.
A tua voz tem que valer,
Não seja igual à avestruz
Que se abaixa pra esconder.

Todo aquele incompetente,
Que só sabe lamentar,
Está sempre sobre o muro,
Como um gato a espreitar,
Nunca tem grandes idéias
A não ser sacos puxar.

A história do espinheiro
Serve a todos de espelho.
Companheiro brasileiro,
Ouça bem o meu conselho,
Nunca eleja um embusteiro
Pra roubar o seu celeiro,
Como amigo, eu aconselho.
Josué
Foto: (não é de um espinheiro.)

sábado, 16 de maio de 2009

Viagem aos anos 60 - Jovens rebeldes “Geração Radical”

Caro Amigo.
Que saudades! Um “CD” no drive e um "clic" no botão do mause, e lá vamos nós, voar no tempo. Opa! "Subi a rua Augusta a 120 por hora..." - é o Ronnie Cord! Quanto tempo, não é mesmo? Compreendo que deve ser uma barra para quem viu e viveu aquela loucura. É preciso ter o coração forte. A lembrança viva daquela década é como uma doença incurável. Ouça essa, meu amigo, é o Ritmo da Chuva -”... olho para a chuva que não quer cessar...", o coração aperta, né mesmo? É a saudade da juventude! Se não fossemos jovens rebeldes daquela década, não teríamos um coração forte. Não é fácil para nós, coexistir com essas lembranças tão marcantes, tão únicas, tão nossas. Não haverá tempo para vivenciarmos nada que possa superar aquelas emoções sentidas?
Amigo, por que essa saudade mesclada de tédio? É nesse ponto, que o temor se entranha na minha alma, pois penso que se deixarmos levar por essa viagem sem controle, podemos nos perder. A angústia abre uma estrada a nossa frente - ah! Lembra dessa? A festa de arromba do Erasmo Carlos! É... Fala verdade, aqueles anos foram uma festa de arrombar a ampulheta do tempo, concorda?
Bem, amigo, como eu dizia: Se colocarmos o pé nessa estrada e retrocedermos no tempo sem olhar para trás, fatalmente, chegaremos ao portal da depressão. Um passo a mais e caímos no abismo, porque além desse portal, não é o horizonte, aquele lugar bonito pra se viver em paz. É preciso deixar sempre um pé no presente, quando colocamos o outro pé no passado. Assim não perdemos o elo. Ouça essa música! Não... fala verdade, essa foi demais... - La Bamba - quem anunciou a novidade dessa música dentro de uma sala de aula no ginásio, quem foi? Lembro perfeitamente de você, diante do nosso grupinho feliz, cantando e estalando os dedos - "...jo no soy marinheiro, soy capitã, soy capitã, soy capitã...Bamba, Bamba" - é preciso ter coragem para recordar o passado dos anos sessenta, quando você é um deles. Poucos como nós temos esse privilégio de ter participado da efervescência jovem daquela década. Meu amigo, as vezes penso que a beleza daqueles tempos, foi exclusividade dos amigos da nossa cidadezinha do interior a margem do tempo e do espaço. Mas é engano. Aqueles sentimentos de séculos de humanidade explodindo em todas as direções do universo. Todas as pessoas estavam inebriadas de amor, esperança e rebeldia. Amor, esperança e rebeldia são os atributos essenciais do milagre da transformação dos baldrames da sobrevivência humana. Cada detalhe da vida se parecia com uma magia. O tempo estava em fase de ebulição absoluta. Transformação radical, planejada naturalmente, pelo Maestro de todos os tempos: O Maestro da vida. Ouço agora a voz aveludada da Vanderleia - "Nós somos jovens, jovens, jovens.. Somos do exército,..."
Imagino que após a 2ª guerra mundial, com todas as suas atrocidades, bem como, o inferno do holocausto, a guerra do Vietnam e, sobretudo, a rigidez milenar dos conceitos aplicados a educação dos jovens e ao convívio familiar; onde os filhos se transformavam em cópias dos próprios pais, assegurando a estabilidade dos costumes seculares, como num círculo vicioso, aconteceu a bomba. Foi assim que entre a década de quarenta e cinqüenta, uma legião de grandes almas, repletas de talentos especiais, caíram sobre a planície fértil dos solos uterinos, e no devido tempo, anos sessenta, entraram em ação com a força do espírito de rebeldia; o tapete dos costumes arcaicos foram espanejados e, estendidos ao contrário. - Lembra dessa? Ouça? “...E que tudo mais, vá pro inferno...” É isso mesmo, mandamos tudo pro inferno... “mor barato”.
Lembro-me que em nossa cidadezinha, de menos de vinte mil habitantes, havia uma torre bem alta no centro de maior movimento. Era o serviço de alto-falante, visto que não tínhamos uma rádio local. Também não havia televisão na região, mas sabíamos que isso não era novidade na Capital. Eu, mesmo, fui um dos locutores desse serviço de propaganda local. Em plena década de sessenta, chegou em minhas mãos um "LP" do Roberto Carlos.
- Mas o que é isso? – Perguntei de queixo caído.
Hoje parece esquisito a minha surpresa, mas o leitor deve lembrar que tudo isso aconteceu em outros tempos. Parece pouco tempo, mas devido à velocidade e a relevância das transformações, o passado não se apresenta de forma tão longínqua. Então amigo, quando vi aquelas fotos de um jovem com cabeleira de mulher, fiquei chocado e também fascinado. Jamais havia visto um homem cabeludo na minha região. Há que se considerar, também, o fato de que, bancas de jornais e revistas ou livrarias, não havia na cidade, e as revistas da época, ou seja, as fotonovelas: Capricho, Ilusão, Noturno e outras, alguém buscavam nas cidades maiores, para vender as poucas leitoras.
Fui o primeiro a tocar naquela cidade, o disco "Jovem Guarda" com a música, "Quero que vá tudo pro inferno." Fiquei abobado! Quantos jovens, como eu, naquela cidade estavam ouvindo pela primeira vez, aquela música tão maluca? O coração vibrava e a mente acelerava. Jamais fomos os mesmos conterrâneos, depois daquele dia. Mas vamos continuar a curtição da nossa viagem... Pois bem amigo, antes os filhos se tornavam igualzinho aos pais, fazendo as mesmas coisas que eles fizeram. "Tal pai, tal filho." Mas na década da contestação, aquela mencionada legião de almas cheias de talentos se revelaram. Deflagraram a guerra mundial. A guerra da liberdade e do amor. Em todos os cantos do planeta, estouraram músicos talentosos e avançados, cientistas foram para a lua, a televisão ficou colorida, vestimentas de tergal ou linho com vínculo disciplinado foram substituídas pelas calças Lee´s desbotadas, amassadas e sem vínculos; os cabelos curtos bem penteados com brilhantina foram substituídos pelas cabeleiras longas e desalinhadas; a passividade pela rebeldia... Todos os valores e regras estabelecidos até então, foram quebrados e substituídos pelo contrário. Qual jovem ainda pediria a benção ao pai ou ao padrinho e fazia a faculdade que eles decidiam? Liberdade ampla e irrestrita, ainda que após quarenta mil anos do aparecimento do Homo sapiens. Claro que pagamos um preço por essa liberdade repentina e imatura. Um cão que escapa da corrente, e se vê livre, sai em louca disparada e pode se chocar com um veículo em alta velocidade. Claro. Teríamos que assimilar e aprender a conviver com essa liberdade. Antes éramos crianças sem liberdade, nos tornamos adolescentes e um dia seriamos adultos em harmonia com as regras dessa liberdade. Vivenciar a liberdade sem a necessária maturidade, ainda é melhor que viver sem ela. A liberdade é um caminho aberto para a evolução e a maturidade do ser humano. Essa você lembra, ouça... "Pode vir quente que eu estou fervendo..." - lembra? Erasmo Carlos? ...Olha essa outra? “Estava à-toa na vida, o meu amor me chamou...” - a Banda com Nara Leão! Ouvi essa música pela primeira vez em um banco da pracinha na cidade vizinha. Lembra aquela vez que o Diretor do Ginásio mandou todos os alunos fazer um Raio-X do pulmão? Quando uma funcionária do Ginásio teve tuberculose? Fomos todos fazer o raio do Raio-X na outra cidade. Quando ouvimos aquela música, eu e meu irmão, sozinhos na praça daquela cidade, sentimos um sufoco muito grande. Aquela boca de alto-falante amarrado a arvore, com a fiação vinda diretamente da rádio da cidade, foi ligada de surpresa e justamente com essa música. Olhamos para o horizonte acinzentado e uma vontade louca de se largar no mundo... sabe, partir em direção a São Paulo...nossa, que sufoco? Jamais esqueci esse momento. Onde foi mesmo que eu parei? Ah! Talvez, eu tenha aprendido a conviver com essa liberdade melhor do que com o meu passado. Minhas filhas vivem nesse mundo livre, com toda naturalidade como se ele sempre tivesse sido assim. Dentro delas, não há imagens ou quaisquer lembranças aquele mundo que só nós conhecemos a fundo. Elas não têm as marcas e as cicatrizes das dores e prazeres, oriundos das transformações da nossa geração atômica. Temos dentro de nós os dois lados da moeda do nosso tempo, e por isso, devemos relutar em prendermos obsessivamente ao passado, para não mergulharmos em depressão. Apesar de, extinguido a fumaça corrosiva, nada mais de novo, ou de notável, ter acontecido, mesmo assim, a realidade é outra. Seremos considerados loucos, porém, jamais ultrapassados, durante alguns séculos. Ao contrário, se tentarmos viver somente o lado atual, ou seja, o presente, não estamos isentos da ameaça da cara do “Brucutu” da depressão, decorrentes da frustração e do marasmo. Teríamos de reprimir um passado muito forte. Seríamos sucumbidos pela saudade e pelo vazio. O ideal, seria viver na fronteira entre os dois lados. Um pé no passado e outro no presente. Um presente que é o futuro do passado. Um passado que espelhava o futuro, que hoje é presente. Por falar em Brucutu, você lembra? “Olha o Brucutu, Bru...cutu..” E essa? "Ah Meu bem, Meu bem...". Grande sucesso dos Beatles com e a versão com Roni Von. Aliás, você já pensou como é que vivem hoje os nossos artistas dos anos sessenta? Será que conseguem conviver em harmonia com esse tempo vazio do presente? “Jesus Cristo! Jesus Cristo! Jesus Cristo eu estou aqui..” - grande Roberto Carlos!
Foi mais ou menos quando saiu essa música que eu parti para São Paulo. O paraíso da ilusão. Foi quando me despedi dos meus grandes amigos adolescentes. Todos uma brasa da Jovem Guarda - mora. Quanta esperança e que aperto no coração! A cabeça cheia de sonhos.
E você meu amigo, o melhor e o mais inteligente de toda a nossa gangue. Sempre na mesma sala de aula! Assim foi o primário e o ginasial. Você era o bobo alegre da turma. Sempre cheio de novidades e piadas. O nosso líder. Que talento! E pensar que todo esse talento se refreou em você. Como imaginar que você jamais viria para a realidade das grandes Capitais como São Paulo? Que a inocência adâmica permaneceria imaculada em você, ainda por mais de três décadas depois? Que jamais seria picado pela serpente da realidade do paraíso? Meu amigo e parceiro rebelde, isso já faz muito tempo. Quando nos despedimos, antes que eu tomasse a direção da estação do Maria Fumaça, a minha cabeleira cobria os meus olhos, mas hoje...a minha testa é uma clareira de pouso forçado de teco-teco perdido. A margem da minha calvície, eu insisto, ridiculamente, em conservar uns resquícios capilares rebeldes. Parecem mais os pára-lamas da máquina do tempo. Talvez você estranhe, que eu esteja escrevendo e ouvindo música ao mesmo tempo. Mas é verdade, pode crer, estou escrevendo no computador. “É bicho” - nele, pode-se escrever e ouvir música do nosso tempo, ao mesmo tempo! Um tempo em que jamais poderíamos imaginar que, a nossa velha máquina de escrever, se transformaria em uma máquina para escrever, ouvir músicas, ver e falar com as pessoas em qualquer parte do planeta. Sabe bicho, enquanto ouço essas músicas, as emoções e as lembranças vão aflorando a minha mente e o teor da minha carta se altera e obedece ao mesmo ritmo. Agora é o Renato e seus Blue Cap´s, com a música: “A dona do meu coração”, isso me transporta ao cenário da nossa cidadezinha. Fecho os olhos e vejo você, a Donália, a Dulce, o Nairton, o Cícero, a Angelina. Lembra da Angelina? A irmã da Cotinha – a nossa garota mini-saia? Então, foi com a Angelina que aconteceu o seu primeiro beijo! Que coisa besta, né? O seu primeiro beijo. Como achamos isso tão importante na época, não é verdade? Você era romântico ao extremo e elas, abusavam disso. A frase comparada a sensação do beijo de Sandro Moretti em Michela Roque, nas fotonovelas da revista Grande Hotel - ..."O contato dos nossos lábios, transmitiam mensagens de amor". A! Desculpe o riso involuntário, mas foi dessa forma que você se referiu a experiência do seu primeiro beijo na Angelina. No dia seguinte, você com ares de rapaz maduro, esnobava-me: Bicho, todos nós temos nossa primeira vez na vida. Isso é normal. E é muito legal. Uma “brasa-móra”. Oh! “...pobre menina, não tem ninguém..”- Leno e Lilian, lembra? A dupla romântica se desfez e a Lílian que namorava o Renato dos Blues Cap's foi casar com um dos Vip's. O Renato se vingou, compondo a música "A primeira lágrima" e quando ela ouviu: “Se você soubesse, como foi ruim/saber que o seu amor, por mim chegou ao fim...” – pois é cara, não é que ela chorou? A nossa rádio preferida, difusora de Presidente Prudente, tocava as músicas deles, e falava o dia todo da separação da dupla, Leno e Lílian. Ficamos tristes, não foi?
O tempo correu em saltos quânticos. Já estamos em outro século e somos todos casados. Cada um de nós com a sua família. Os jovens cabeludos e rebeldes do passado agora são carecas responsáveis e homens de família. Mas não esquecemos jamais o nosso passado que é a melhor e a insuperável parte de nossa vida. Sinto-me como parte de um álbum vivo de registros daquele tempo. Por tais evidências, é que, mesmo separados geograficamente, e isso já faz mais de três décadas, ainda nos comunicamos por cartas e usamos a mesma linguagem. Obviamente, hoje, conheço pouco do seu presente. Ah! Uma paradinha para ouvir essa: "Era um garoto, que como eu, amava os Beatles e os Rolling Stones" - com Os Incríveis! Desculpe amigo, mas é que quase sucumbi pela nostalgia. Por falar em nostalgia, lembra-se da Rita Pavoni? Está viva! Pelo menos, essa é a última notícia que tenho dela. Ela namorou o Netinho dos Incríveis. Sei lá, acho que o Netinho tirava um sarrinho nela, você não acha? É. Ela me faz lembrar a Cely Campelo com o "Estúpido Cupido". Ainda bem que essa carta já esta no fim. Não está sendo fácil escrever sobre o passado, ao som de tão belas músicas da nossa juventude. Tenha certeza meu amigo, as pessoas, no presente, caminham para o isolamento total. Mais progresso, mais tecnologia, mais intelectualidade e mais capitalismo e a individualidade e o egoísmo impera. A sofisticação coloca cada pessoa em um pedestal de arrogância e intolerância. Quanto mais capital (material), mais defesa exigirá do seu proprietário. Quem tem muito, precisa cuidar-se e se fechar, ou seja isolar-se. Medo de ser-lhe tirado o que acumulou para si. Cada individuo, se torna um guarda de segurança de si próprio. Não pode confiar em ninguém. O acumulo de potencialidades intelectivas desenvolvidas em meio a tantos desprovidos de conhecimentos, gera um sentimento de superioridade em cada indivíduo. Dá-lhe a ilusão de ser um semideus. Quem sabe muito e tem poder financeiro, é tomado por uma sensação de endeusamento, ou complexo de Narciso. Sente-se um deus. Quanto mais próximo das pessoas leigas, esse sentimento se manifesta de forma mais forte. Quero crer que tudo isso, é em função do desenvolvimento do ser humano, que caminha na direção da proteção da sobrevivência do homem (corpo físico) e não, na sobrevivência da vida e do equilíbrio do ser humano (matéria e espírito). A evolução é feita pelo progresso tecnológico, desenvolvido através da ciência, pura tecnologia comercial, esquecendo-se da tecnologia espiritual. A evolução não segue na direção de "Alfa para Omega", objetivando a perfeição espiritual. O homem pensa essencialmente no dinheiro e no conforto físico. A evolução espiritual, mediante o desenvolvimento do conhecimento, é o que nos leva a encontrar o verdadeiro sentido de existirmos. Mas os seres humanos não sabem pensar nesse desenvolvimento, sem dar nomes aos bois, sem pensar em religião, em separação, em discriminação: Igreja tal, Igreja sem tal e assim por diante. Formalidades legais, regras, e você deve proceder assim e assado, e você deve se subjugar a isso ou aquilo, você é um verme pecador e deve pedir muito perdão, ...perdão por ter nascido...nascido já condenado...com o selo pecado, a herança genético-espiritual do casal do Éden, que comeu o fruto do conhecimento, por influência da trapaceira da serpente da realidade. “Misericórdia! Mas Deus está te dizendo agora irmão, que tu será salvo das garras do carniceiro, do inimigo, do Diabo, sei lá mais de quem....” Pois não é, amigo? Já nasci um fugitivo, sem terra, bandido com uma culpa no cartório celeste e o que é pior, nem sei ou nem tenho consciência do crime, mas devo convencer-me de pedir perdão e tentar salvar a minha alma da condenação eterna. E quem me condena, é o próprio Salvador, aquele que me deu a vida e já com o anexo da folha corrida do crime, não cometido por mim, mas por outra pessoa que eu jamais conheci. Isso não é arbitrário? E ainda falam: “É, mas você tem o livre arbítrio!” Mas que livre arbítrio? A vida ou a morte? Só tenho uma escolha? Não devia existir, no mínimo, duas alternativas para se configurar – livre arbítrio? Sim, porque a morte não é opção, mas uma imposição - o fim. Claro. E depois, somente os irracionais, loucos, optariam pela morte eterna da sua alma. De modos que só temos uma escolha – ser bonzinho e ganhar a vida eterna, mas, em sendo uma única opção, não se configura o termo – livre arbítrio.
Meu Deus! Sabe amigo, na maior parte do tempo, sinto-me como um cão que apanha do seu senhor e mesmo assim deve beijar-lhe os pés. Não amigo, não pode ser assim. Deus é muito mais que isso. Com certeza, tem perfeição absoluta e pode fazer tudo bem melhor. Nós é que confundimos tudo... Afinal, a fruta do conhecimento foi deixada para tentar o homem, sem razão alguma? Se a fé sem a luz do conhecimento é o que importa, porque nascemos com ânsia de sabedoria e cuja sobrevivência, é um processo de desenvolvimento de potenciais intrínsecos? Poderíamos permanecer burros por toda a vida, apenas revestido de fé e então, Deus nos perdoaria por todos os nossos pecados cometidos por ausência de sabedoria. Não passaríamos pelo sacrifício do aprendizado da vida, dos bancos das escolas e dos livros e mais livros. O pecado é produto da burrice, e nada tem a ver com a materialidade. Somos espiritual e material, mas sabemos que a matéria não tem vida. Se não tem vida, não comete pecados, não é responsável por nada. O espírito é energia e não tem sexo e só por isso já não pode ser responsabilizado por muitos pecados da matéria. Sem sexo, por exemplo, não há pecados sexuais. Nem poderia haver! Como não se pode imputar a maior parte das culpas do ser humano ao espírito, por inexistência de instrumento sexual, e por último, como não se pode imputar uma responsabilidade ao pó, concluo que o pecado não existe. É por tais e tais incoerências, e loucuras dos seres humanos, que ainda insisto em procurar Deus no caminho do conhecimento. Caminho trilhado passo a passo em direção a evolução. O todo é o nosso mundo, no entanto, tudo isso é apenas uma célula da existência. Vamos desmistificar os mistérios dessa célula para depois continuar a fazer o mesmo em uma célula maior. Não podemos jamais perder a fé em Deus, mas, que ela seja controlada, isso para não cegar os nossos olhos e deixarmos de ver o caminho do conhecimento. Quando alguém acredita que tem fé, deixa de buscar o conhecimento no mundo em que vive. Se o conhecimento não estivesse nesse mundo, porque razão viríamos para cá? Ler, viver, praticar, meditar e se lambuzar na massa do mundo. É nesse bolo que está o conhecimento para chegarmos ao diploma. O passaporte para a outra dimensão. O mundo do bolo espiritual. Quanto mais nos alimentarmos desse bolo material, mais fortes e sábios ficaremos para alimentarmos do bolo espiritual. Meu amigo, só agora é que percebi que o disco parou de tocar as nossas músicas e por essa razão a minha imaginação escapou do passado e do futuro, para viajar nas páginas do livro da eternidade. Aquele instante em que você se esquece do tempo, permanecendo no presente sem estar consciente do passado e do futuro, e a isso, dá-se o nome de eternidade. O silêncio me levou a esse estado de meditação. O agora. Sempre agora... Eternidade. Sinto-me mais leve. As recordações e lembranças que me apertavam o coração e a alma, agora se acomodaram. Deixaram mais conhecimentos para o consciente do presente. Reflexões sobre os eventos do passado, com todas as emoções e sensações vivas. Sobre elas, pode-se aprender e obter conhecimentos. Uma mente do presente, estudando os eventos do passado como se lá estivesse vivendo. Percebeu? Bem amigo, agora vou guardar o meu “Compact Disc”, encerrar esse gostoso bate papo, apertando o botão do drive do tempo. Quando o passado clamar mais forte novamente, introduzirei o CD no drive, abrirei as janelas do tempo e voltarei ao cenário daquele minúsculo espaço geográfico do passado, para encontrá-lo. Ouviremos no rádio, as músicas da "Jovem Guarda", assistiremos à matinê no cinema, o filme "Dio come te amo" com a Gigliola Cinquetti ou o "Zorro e o Tonto", o Tarzan e após, vamos paquerar as garotas no coreto da pracinha. De outra forma, amigo, quem sabe, no presente, poderíamos cruzar os oitocentos quilômetros que nos separa a tantos anos e, nos encontrarmos em nossa cidade da juventude. Os cabeludos do passado, em um encontro de carecas do presente. O sonho não acabou dentro de nós. È isso ai, bicho! Móra. Aquela brasa, jamais se tornará cinzas corroídas pelo tempo.
Salvar? Sim. Desligar? Sim. Enter. Deletar? Jamais.
Do amigo
Josué/2001

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Carta para um amigo que não vejo a mais de 30 anos


Oi Amigo! E ai! Tudo bem? Aqui? Tudo como D’Antes, uma Divina Comédia: Uns vai, outros vem. Eu? Continuo. Nem vou, nem fico, apenas vim, mas você ficou. Ficou, mas também, foi. São Paulo? Que cidade! Cada dia melhor e pior, cada um por si, Deus por um ou outro, de vez em quando. A vida? Continua. Pra onde? Não sei. Se me disseres de onde ela vem, lho direi para onde ela continua, claro, além da rua. A política? Se vai ou não? Talvez. Na verdade, nunca foi. Mas o povo sempre vai. Pra onde? Você sabe pra onde! É pra lá mesmo. Esperança? Eu não sei nada dela. E se é a última que morre, quem é que vai esperar por ela? Jamais saberemos. Nós? Pois é amigo Bomfim, lá se foram três décadas. Mas a gente continua. Na rua? Não. Tu em Dourados, daí, eu em São Paulo, daqui. Aí, os Dourados das queimadas, aqui, os Dólares da corrupção. Rimou? Não? Bem, não importa. Foi o que se pode arranjar, afinal, somos velhos guerreiros, dos belos anos sessenta. A velha jovem guarda, que geração alguma enfrenta. A garotada até que tenta. Só tenta, mas não agüenta. È o fim? Sim. Que bom que o seu nome é Bomfim! Obviamente, terás um bom fim. Sorri amigo Bomfim? Mas não de mim, ou pra mim, Sorri da vida que é assim, simplesmente, assim. Quanto a mim, lhe digo: Eu fico bem aqui, Amigo. Fui, ou melhor, vim, quero dizer, fico. Abraços para todos daí. Do amigo, daqui.


Josué

terça-feira, 12 de maio de 2009

A angústia é a frustração da alma


Quando as emoções da alma não se configuram em poesias, materializam-se em lágrimas. A angústia é a frustração da alma, por não conseguir exteriorizar os seus anseios. Um poeta que não exerce a prática do seu talento sufoca a sua própria alma.Sabemos que o mundo esta repleto de empresários, executivos e gênios do mundo dos negócios e da política; são pessoas formadas nas melhores universidades, no entanto, as guerras e a destruição da natureza, avançam dia a dia. Com certeza eles não pensam em poesias. A poesia é produto da alma, mas a alma só produz poesias quando vive no coração das pessoas. Um executivo aprisiona a sua alma no cérebro para pensar e correr atrás do dinheiro.
A alma no cérebro é uma escrava do trabalho em tempo integral. Nessa corrida maluca, não se tem tempo para ver onde pisa ou quem se atropela. Derrubam florestas verdes para transformar em florestas de concreto, objetivando ampliar as suas riquezas. Geram guerras por conveniência sem pensar em suas conseqüências.
Um homem luta incansavelmente durante toda a sua vida, acumulando dinheiro para viver cem vidas, sem se lembrar por um instante sequer, que só se vive apenas uma vida de cada vez. O cérebro e o coração precisa estar em equilíbrio. Toda forma de radicalização é prejudicial. Cada perna dá um passo porque se apóia na outra, é por isso que elas caminham. Quando a alma está no coração ela vive em pleno gozo de férias. No coração, a alma em liberdade, vibra, transpira e inspira os poetas. O suor é o resultado da transpiração do corpo, assim como a poesia é o resultado da transpiração da alma. A alma livre corre atrás do deleite da sabedoria. A literatura é a linguagem da alma. A poesia é o suspiro apaixonado da alma pelo belo. Educamos os filhos para vencer profissionalmente, ser um sucesso no mundo dos negócios, ou seja, ganhar muito dinheiro, mas esquecemos da alma. Esquecemos de alimentar a alma. A alma sobrevive com o deleite da sabedoria, mas enquanto estamos correndo atrás do dinheiro, que nunca é suficiente, não temos tempo para buscar a sabedoria. A alma é quem nos torna, verdadeiramente, humanos, e que nos diferencia dos animais. Sem alma somos apenas corpo material. Há mais coisa entre a terra e a vida, que a nossa ganância material. A razão mais lógica para a nossa existência nesse mundo é a sabedoria, porque é a única coisa que a alma leva; Sabedoria é uma questão de literatura; A literatura é o Caminho que conduz a sabedoria; Sabedoria é a luz do conhecimento; O conhecimento está nos livros; Os livros são os caminhos da sabedoria. Uma pessoa sem sabedoria é como um carro numa estrada escura, sem farol alto, a qualquer momento pode mergulhar na escuridão de um abismo profundo. Pessoas cultas e cheias de sabedoria, dificilmente praticam o mal. Há um paradoxo Socrático que afirma: "Ninguém faz o mal voluntariamente, mas por ignorância, pois a sabedoria e a virtude são inseparáveis”. A literatura faz bem ao corpo e a alma. Segundo a Revista “Entre – livros”: "A literatura possibilita viver vidas múltiplas, em algumas horas; Amplia a compreensão do mundo; Permite a aquisição de conhecimentos objetivos; Aprimora a capacidade de expressão; Reduz os batimentos cardíacos; Diminui a ansiedade; Aumenta a libido;"


Mestre Zuh

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Bilhete único – A culpa é sempre sua – do povo.

A culpa é do contribuinte, do usuário, ou melhor, a culpa é sempre do otário do povo. O povo sou eu, é você, somos nós. Vamos ao fato:
Toda manhã, bem de manhã, embora o céu sereno, eu sempre creio que o dia será lindo e radiante, sem a mais tênue ameaça de que um temporal possa desabar. Essa manhã, a procela bramiu forte na minha vida de povo. Um raio atingiu o meu peito com toda a violência da natureza. Em segundos, tudo escureceu, ou melhor, voltou à normalidade. Fui salvo da descarga elétrica pelo meu cartão único pendurado ao pescoço. Muito bem, lá fui eu, feliz por estar vivo, apesar de trabalhador classe “dalits”, desci a escada rolante da estação do metro brigadeiro e calquei o meu cartão único na catraca. “Surpresa!” Bloqueado. Intocável? Não! Bloqueado. Você está bloqueado, bloqueado,...
Como assim? Bloqueado? No caixa do bilhete único me informaram que, realmente, o meu bilhete único estava bloqueado. Fui encaminhado para uma agência do SPTRAN. “Surpresa”. Outra surpresa.
- O senhor fez uma ligação para o “0800...”, ontem às cinco horas da tarde e solicitou o bloqueio do seu cartão único.
- Eu? E por que faria isso, se eu não perdi o meu cartão? E como podem afirmar que se tratava da minha pessoa?
- Solicitamos a confirmação dos seus dados cadastrais e o senhor nos confirmou.
- Sinto desapontá-la, senhorita, mas eu não telefonei para o tal 0800, e não solicitei o bloqueio do meu cartão. Por favor, poderia desbloquear?
- Claro, senhor, mas será descontada a importância de dezesseis reais. Taxa de custo de sistema.
- O que? O que? O que? Alguém liga para o sistema e pede para bloquear o meu cartão, sem o meu conhecimento, e depois eu ainda tenho que pagar para desbloqueá-lo? A culpa é minha?
Coloquei em dúvida a eficiência do sistema – “o sistema não poderia ter errado, recebido um comando indevido, voluntário ou involuntário?” Mesmo assim, a funcionária me disse que eu devia pagar. “Alguém da minha empresa, um adversário, um ex-colega de trabalho, com o intuito de me sacanear, não poderia ter se passado por mim?
- Claro senhor! Isso é perfeitamente possível, mas mesmo assim, o senhor tem que pagar a taxa para desbloqueá-lo.
Solicitei um encarregado e não demorou, a funcionária voltou com a encarregada, Dona Geralda. Disse a ela que eu me sentia totalmente inseguro com o sistema do bilhete único; que se eu tivesse que pagar essa maldita taxa, eu levaria o caso pro PROCON, pra mídia, pra internet; que eu enviaria e-mail pro Prefeito, pro Governador, pro Presidente...
- O senhor esta no seu direito. Eu lamento não poder fazer nada para isentá-lo dessa taxa. O sistema já absorveu os nove reais e oitenta centavos de crédito que o senhor possuía no cartão, e o que vou fazer, pelo senhor, é efetuar a liberação do cartão, mas o valor debitado, o senhor já perdeu. Muitos usuários esquecem o cartão em algum bolso do paletó e pede para bloquear o cartão, mas quando o encontra, alega, em alguns casos, que não solicitou a medida de segurança. Tudo para se livrar da taxa. Reconheço que não é o seu caso, mas o sistema não tem outra solução para essa questão. – A Dona Geralda era calma, preparada para atender casos como o meu. Não aceitou as minhas provocações, manteve-se calma e eu até fui com a cara dela, mas protestei assim mesmo.
“Serei sempre culpado, se o meu cartão for bloqueado, não é mesmo? Não importa a existência de verdadeiros culpados anônimos. Se alguém se passar por mim ao telefone – a culpa é minha; se um digitador do sistema errar no dedo – a culpa é minha; se alguém roubar o meu cartão e eu alertar o sistema – a culpa é minha; se..., bem, a culpa é sempre minha. Quem manda ser povo? Ou dalits?
Sai do SPTRAN da rua quinze de novembro, levando sobre o peito, um novo cartão, mas, lá dentro desse mesmo peito, batia um coração frustrado, impotente, se apertando, sofrendo as dores de uma desilusão "municipalestadual".
Josué

domingo, 10 de maio de 2009

Moradia Gratuita para cidadão de rua, no Centro de São Paulo

Ele era um homem livre do sertão nordestino. Bebia água barrenta no açude em companhia das cabras e vacas magrelas. Espantava os urubus impacientes para que o pobre bezerro morresse em paz, por inanição. Embrenhava-se pelas quiçaças e grotões a caça de mel de abelhas. Mastigava um fruto do ingá, comia umas folhas viçosas de beldroegas a beira do brejo, chupava umas frutinhas de Maria-preta, aquela que também se chama de catinga-de-bode, alguns imbus, tudo que o sertão podia oferecer gratuitamente ao guerreiro nordestino. Repousar e sonhar, as sombras do imbuzeiro, embalado pelo canto da pomba juriti era um direito natural. Não se pagava imposto para morar, para circular pela caatinga, para correr atrás dos camaleões entre os mandacarus, com a boca salivando, aguado por um naco de carne com sal assada, mal-e-mal nos tições.
A seca maldita causadora da fome, da solidão da alma, do isolamento social, do desalento de uma luz no final do túnel, não dava trégua e tudo isso forçava o nordestino a abdicar dessa liberdade natural. “Vou meter os pés na estrada e cai nesse mundão de Deus. Não sou filho-d’uma-égua para virar comida de urubu nesse lugar seco e miserável.”
Era assim, numa manhã qualquer, que o nordestino retirante, se largava no mundo em direção ao sul. Nas costas, levava um bisaco com farofa e um naco de carne salgada de camaleão. Uma alpercata de couro-cru aos pés, caminhando na direção do sul e o que viria pela frente, só a Deus pertencia.
O nosso nordestino, aquele que eu escolhi ao acaso, agora era cidadão da Capital de São Paulo. Continuava isento dos impostos do direito de sobreviver, não ouvia mais o canto meloso da Juriti, não corria mais atrás de lagartos, mas, como se diz por ai, “trocou seis por meia dúzia”, né mesmo?
Morava sob a proteção da carroça de coleta de lixo reciclável, na Barão de Itapetininga, no centro da cidade. O segurança era o cão vira-lata, amigo fiel, que se ajeitava aos pés do seu dono, quando ele, ao amanhecer, se sentava numa cadeira para ler o "Jornal do Centrão", de distribuição gratuita.
A mulher-camelô, do serviço de cafezinho de rua, era sempre pontual. O privilegiado morador pagava vinte cinco centavos por um copinho descartável cheinho de café. Na hora do almoço, chegava o marmitex, e ao crepúsculo, começava o serviço pesado de coleta e a entrega de todo o lixo reciclável, coletado nas ruas do centro. Na madrugada, findo os serviços, o nordestino cansado voltava a dormir sob a carroça, por algumas horas, enquanto o cachorro tomava conta de tudo. Ninguém podia aproximar-se de um pedaço de papelão qualquer sobre a carroça com os varais para cima. Ao nascer do sol, momento em que as pessoas surgem como formigas dos buracos, o trabalhador de rua se levantava e sentava na velha cadeira. Às vezes, algum amigo João-ninguém de rua sentava na outra cadeira para bater papo, enquanto esperavam a mulher dos seios grandes e descobertos, com o cafezinho.
Esse era o momento do nosso vigia canino, aproveitar para dormir, pois passou a noite trabalhando para o seu amado dono.
Assim era a vida de um cidadão, verdadeiramente privilegiado. Não pagava aluguel porque a rua é pública; Não pagava a Eletropaulo porque a iluminação da rua é pública; Não pagava IPTU porque, devido a pequena metragem da área da sua moradia móvel, gozava da isenção do imposto. Banheiro? Nos bares ou na estação do metro. Banho? Nas cachoeiras superficiais da Praça da Sé, mas, somente nos dias muito quentes. Sexo? No centro de São Paulo, a noite não é uma criança, mas sim, uma adolescente.
Todos os moradores de ruas são invisíveis. Quem é que cumprimenta um morador de rua? Alguém já viu um transeunte parar e: “Bom dia senhor mendigo ou senhor morador de rua!” Eu nunca vi, aliás, acabo de me lembrar, que eu mesmo, nunca cumprimentei uma dessas criaturas humanas. É por isso que eu afirmo, categoricamente, que elas são invisíveis. Moradores de ruas, mendigos, menores abandonados, só se tornam visíveis para quem têm uma câmera fotográfica nas mãos. Foi assim que eu descobri que eles existiam. Os olhos das câmeras não têm filtros com critérios censuráveis ou preconceituosos.
Atualmente, eu não o vejo mais o nosso nordestino nas ruas do centro. Dizem que o Prefeito decretou o despejo dele da rua Barão de Itapetininga, fato que se realizou sob os protestos do cachorro amigo que, também, já estava ameaçado pela malfadada carrocinha de cães de ruas. Imagino que o pobre homem não devia ter o tal cobiçado título de eleitor. Políticos são cegos para cidadãos sem título de eleitor, em época de eleição, mas após as eleições, eles também ficam cegos para aqueles cidadãos eleitores que votaram neles. Bem faz a Juriti de continuar no sertão, cantando no galho do umbuzeiro.
Josué

sábado, 9 de maio de 2009

A razão de existir

A sobrevivência é uma imposição da vida, logo a sobrevivência, não é a razão da vida. O trabalho é uma imposição da sobrevivência, logo o trabalho, não é a razão da vida. O dinheiro é uma imposição do trabalho, logo o dinheiro, não é a razão da vida. O poder é uma imposição do dinheiro, logo o poder, não é a razão da vida. A política é uma imposição do poder, logo a política não é a razão da vida. Afinal, qual é a razão da vida nesse mundo?Conhecimento. O caminho para a perfeição. Conhecimento é a razão que justifica a existência da vida nesse mundo. É só o que se pode levar.

Mestre Zuh

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Bebê mendigo?Ou Descaso político?




Foi em 2006, quando me deparei com essa cena no Centro de São Paulo R. Barão de Itapetininga.
Sorte que eu estava com uma máquina fotográfica nas mãos.
Descaso Político (?)
Vejam na foto, um bebe dormindo entre os molambos e os pais.

Solidão

Quando sentir-se só, dentro do quarto,
E você olhar pela janela aberta,
Lá fora, ainda a chuva torrente e esperta,
E n’alma sentindo dores de parto;

E quando você, olhando para cima,
Sentir-se que está porventura cético,
Do nosso Criador já quase hipotético,
Levando a vida sem nada de rima;

E quando ainda, mesmo que só contigo,
Não se lembrar d’um bom amigo antigo,
E se temer o abismo da paixão;

Também se a tua voz ficar abafada,
Presa na tua garganta sufocada,
Sim! Isto sim! Isto é que é solidão.


Josué

Devo levar a vida como uma formiguinha?

Rua Barão de Itapetininga, Centro, São Paulo; manhã de junho. Eu, no centro da maior cidade do Brasil. Todas as manhãs, passo por essa rua, aproximadamente às sete e meia da manhã, para o meu “petit déjeuner”, antes de chegar ao escritório, e me deparo com crianças dormindo sob uma abertura próxima a uma galeria Califórnia.
São crianças de todas as idades, raças e cores; algumas são muito bonitas; mas, de alguma forma, preferem os perigos das ruas, e dispensam a proteção dos pais (com quem o risco é maior). Outras perderam os pais. As FEBEM's, proteção do governo? Não. Melhor ficar nas ruas.
Como ficar indiferente? Como entender? Nas escolas não me ensinaram nada sobre tudo isso.
Se fôssemos formigas, tudo seria mais fácil; as formigas não precisam questionar nada, só pensam no trabalho e na perpetuação da espécie. Nada mais. Devo viver como uma formiguinha? Não tenho certeza se vivo de forma diferente de uma formiguinha. O que realmente eu faço para além de mim mesmo? O que é possível fazer? O que eu sei fazer? O que um poeta pode fazer?

* Trecho parte do prefácio do livro "Apagando as Pegadas" Contos e Crônicas de Josué G. Araujo

terça-feira, 5 de maio de 2009

Apagando as pegadas - Contos e Crônicas


Trecho da capa do livro:
Josué Gonçalves de Araújo convidado para uma palestra na Academia Estudantil de Letras do colégio Padre Antonio Vieira. Uma sala repleta de adolescentes com fardões, imitando os rituais da ABL. Recepcionado por um grupo de alunos posicionados sobre um cenário, teve início de imediato uma apresentação teatral do seu até então único conto, “Os Fariseus da Catedral.” Terminado a apresentação, emocionado, ele não tinha mais idéia de como realizaria a palestra. Até aquele momento ele havia escrito apenas romances. A partir daquele dia, passou a sonhar com contos. Certa vez, entrou num vagão do metro e notou à sua frente um velhinho que cochilava sobre o banco cinza, reservado para pessoas com restrições de mobilidade. Uma linda jovem sentou na segunda vaga do banco cinza. Pintou a inspiração; transformou a jovem em uma personagem e escreveu o seu segundo conto – “Não julgueis”. Um portal parece ter-se aberto para o palácio das musas, pois os contos vieram em fila, como bois seguindo uma trilha para o bebedouro. O conto “Apagando as Pegadas” foi o último, o que mais me sensibilizou...
A venda no site da editora: http://www.caravansarai.com.br/
ou no site do autor: http://www.josuearaujo.com/

As Rugas resguardatárias da minha mãe

Não tenho nem um pingo de vergonha de contar, aliás, sinto até certo prazer. Masoquismo? Sei lá! De mais a mais, se eu mesmo não contar, ninguém vai contar. Nem mesmo a mim, me contaram, mas eu sei de tudo. Como eu sei? Não sei. São aquelas coisas que a gente sabe que sabe, mas não sabe como sabe; Seja lá o que for, isso não vem ao caso, vamos ao que interessa. Vou contar porque a minha mãe tem tantas rugas. Tudo começou numa daquelas vezes, em que a cegonha foi visitá-la; para ser mais exato, foram onze vezes. Ela teve dez filhos, de cuja série, eu sou o primogênito. Por que onze vezes, se ela só teve dez filhos? Ah! É ai que esta toda a razão desse causo. Aconteceu que por ocasião do meu nascimento, a cegonha foi a minha casa duas vezes. Quando essa incansável criatura avoante levou o primeiro pacote de filhos a minha mãe, a pobre mulher levou um grande susto e franziu a testa formando rugas profundas:- Valei-me Deus! Que presepada é esta?Era eu. Eu em membros, tronco e cabeça, mais cabeça que tronco e membros. Eu era feio demais da conta; cabeçudo; orelhudo; parecia mais, um cruzamento de soim desnutrido com caburé orelhudo. O susto foi tão impactante que, a minha mãe teve o resguardo quebrado e em conseqüência, as suas rugas se tornaram irreversíveis, para não dizer, eternas. A cegonha mais que depressa, botou o rabo entre as pernas e partiu calada; partiu, mas ao sentir-se leve, planando nas nuvens, a consciência pesou e ela retornou. Bateu na janela do quarto da minha mãe, que cedendo aos instintos maternos, acomodava o bico do peito na minha boca ansiosa.- Psiu! Dona Nina? Sou eu! A cegonha...- Valei-me Deus! O parto ainda não acabou? Vou ter gêmeos? Já não bastava um bebê tão feio, ainda tem mais um pra nascer? Parteira? – gritou minha mãe com visível expressão de desapontamento – o parto ainda não terminou!O bico do peito escapou abruptamente da minha boca, espirrando leite nos meus olhos. - Calma Dona Nina! – tentava explicar a cegonha - Não é nada disso...- Ah! Entendi! Você percebeu o engano... Descobriu que me trouxe o bebê errado?Mais que depressa, minha mãe atirou-me para os braços da cegonha, esquecendo que aqueles braços também eram pernas. A infeliz, da mensageira de bebês, tentou prensar-me contra o batente da janela, com uma das pernas, enquanto se sustinha na outra, mas a minha pesada bola óssea, protetora do meu volumoso encéfalo, ameaçava malograr o arranjo da equilibrista. A carcaça esquelética começou a pender pro lado do cabeção. A situação atingiu aquele ponto máximo da acuidade, exigindo uma ação rápida e eficaz. A cegonha vislumbrou a única alternativa possível, ou seja, cravou o seu potente bico na minha orelha direita, na tentativa de manter o equilíbrio da massa cadavérica, aliás, até hoje minha orelha permanece esticada.A parteira entrou no quarto e correu para a janela em socorro da cegonha. A primeira coisa que a mão dela alcançou, apertou e puxou. Tudo eu havia suportado com muita resignação, mas aquilo já era demais; soltei os cachorros e berrei. A cegonha, percebendo a causa do meu protesto, sussurrou sem soltar a orelha do bico, alertando a parteira da sua falta de tato, na manipulação com recém-nascidos – Isso ai não é o pé do bebê, Dona parteira?- Logo vi que estava muito mole para ser o pé do pobrezinho – Comentou a parteira demonstrando constrangimento, enquanto me resgatava das garras da cegonha, livrando-me da eminente ameaça de cair e rachar o cabeção.Finalmente, fui entregue, mais uma vez, a minha mãe.– Dona Nina – disse a parteira com firmeza – esse é o seu bebê, oxente! Pois não fui eu mesma, quem fez o parto?- Mas então, por que a cegonha voltou?A cegonha que permanecia amofinada no canto do batente da janela, tentou esclarecer o qüiproquó:- Dona Nina, eu voltei para lhe pedir desculpas, ou melhor, para consolar a senhora...enfim, acho melhor eu partir antes que a coisa fica mais preta. Adeus.A cegonha partiu e a parteira deitou-me na cama, abrindo as minhas perninhas e conferindo se havia feito algum estrago irremediável.- Sabe Dona Nina – disse ela com olhos de quem está ponderando - acho que ele será um homem bem interessante. Quem sabe até bonitinho, também!- Queira Deus – sussurrou a minha mãe.- Pra Deus tudo é possível, não é mesmo Dona Nina?Eu cresci, não tinha outro jeito mesmo, mas enquanto engatinhava, ninguém me resgatava do chão frio para o aconchego de um colo, por causa da minha feiúra. Pra não congelar a bunda, tive que aprender a andar prematuramente.
Josué G. de Araújo

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