quinta-feira, 15 de agosto de 2019

O CORDEL SEMPRE FOI NOSSO.


Alguns dizem que o Cordel veio de Portugal dentro das malas dos colonizadores. Outros dizem que o Cordel veio da França ou de outros países ibéricos. Tem até cordelista que prefere mudar a origem do nosso cordel, simplesmente para contrariar o seu adversário mal querido. Outros, por desconhecimento, defensores dessa afirmação, de que o cordel veio de Portugal, insistem em não pesquisar seriamente e conhecer a verdade para não contrariar o seu próprio ego. Imparcialidade nesse país, quando se refere a coisa séria é um sério problema. 
Outro fato habitual dos brasileiros é que, o que é bom demais, não pode ter sido criado por um brasileiro. Nas escolas dos EUA, os alunos aprendem que Alberto Santos Dumont não é o pai da aviação.

“ 'Pai da aviação', Santos Dumont continua sem ser reconhecido por americanos. A abertura da Olimpíada trouxe de volta a polêmica sobre o não reconhecimento internacional (especialmente nos EUA) de Santos Dumont como inventor do avião. (7 de ago de 2016) ...”
“A tese central de pesquisadores do tema nos EUA é que Santos Dumont foi muito importante para o surgimento de tecnologias de voo, mas que o 14-bis não era o que se pode chamar avião, por mais que tenha voado....”https://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/…/pai-da-avia…/…
“O pesquisador alega ainda que a falta de reconhecimento entre os americanos se dá porque "os americanos são bem ignorantes sobre informações do resto do mundo, o que é deprimente". “Segundo ele, a população do país não reconhecer o nome de Santos-Dumont não quer dizer muita coisa e "qualquer pessoa que saiba mesmo que pouco sobre história da aviação, o nome dele sem dúvida é conhecido...” https://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/…/pai-da-avia…/…
O 14 bis não é um avião só porque não foi um americano quem inventou? Não me causaria estranheza se eu souber que muitos brasileiros concordam com eles.
- Para o político brasileiro, empregar os parentes em cargos públicos não se trata de nepotismo.
- Os dados científicos sobre a estatística da devastação da Amazônia não são verdadeiros porque vai contra os interesses de alguém ou de um grupo.
- Os agrotóxicos agressivos não matam a nossa fauna e nem provocam sérias doenças aos humanos. 
A maioria do povo brasileiro apoia, concorda ou se cala - como a boiada da solidão de Drummond de Andrade, - que no fundo, calar é a mesma coisa que concordar. A verdade é uma questão de conveniência. A verdade só é verdadeira se estiver em harmonia com os interesses pessoais, ou sujeita aos caprichos do ego. 



Desde Adão e Eva, ou antes, o ser humano já contava histórias. A bíblia foi escrita em versículos (histórias, relatos, contos e poemas, posteriormente considerados sagrados). Versos ou versículos, apropriados para facilitar a guardar dos textos na memória pois, a escrita era complicada, o papel, os livros não existiam ou eram raros, mesmo os pergaminhos não haviam em abundância ou não eram conhecidos, ainda. Versos de preferência rimados, eram mais fácil de serem assimilados e a métrica cumpria a função de facilitar a cantoria com a lira. Cantar os versos ou poemas é mais um recurso que facilitava o processo de decorar e lembrar para contar cantando.

“...A literatura nasceu oral e foi assim durante milênios. Quando a Ilíada e a Odisseia foram transpostas pela primeira vez para o papel, já tinham séculos de idade”, afirma o escritor Bráulio Tavares.
Desde os primórdios da existência humana já havia os poetas, os cordelistas, repentistas ou simplesmente poetas conhecidos com outros nomes como profetas, sacerdotes porque não se sabia o que era um poeta, mas algum tempo a frente, essas pessoas eram chamadas de Aedos.
Sinônimo de Aedo: cantor, menestrel, poeta e trovador.
“Os Aedos eram poetas-cantadores que percorriam a Grécia cantando um repertório composto de lendas e tradições populares. O som de liras ou cítaras acompanhava-os.”
“Aedo: Poeta grego da época primitiva, que cantava ou recitava com acompanhamento da lira: Homero era um Aedo.”
“Aedos: são contadores de histórias itinerantes, que se valem dessa ferramenta para preservar a sabedoria de um povo – ou diversos povos, pois eles aprendem novas lendas a cada comunidade por onde passam”.
“Aedos: retiram sua sabedoria de uma mistura de folclore, provérbios, alegorias e lendas, temperando com sua própria criatividade. Por fim, eles compartilham de sua sabedoria ao contar suas histórias para aqueles que as querem ouvir: muitas dessas histórias são exemplares, e inspiram feitos grandiosos mesmo no menor dos homens.”


Literatura de cego, os cordéis Portugueses
“... No século XVIII, já era comum entre os portugueses a expressão literatura de cego, por causa da lei promulgada por Dom João V, em 1789, permitindo à Irmandade dos Homens Cegos de Lisboa negociar com esse tipo de publicação.”
Os cegos penduravam publicações, literárias, folhas escritas, poesias, receitas de bolos, rezas, feitiços e outras histórias, em um cordão (cordel em Portugal) amarrado ao seu corpo para a papelada não se perder. Histórias que cruzavam os oceanos de boca em boca eram contadas ou mesmo histórias criadas, escritas nessas folhas soltas ou publicações penduradas. Segundo consta, a maioria dessas escritas eram em prosa ou em alguma forma de verso, mas nessa miscelânea literária de cordão não havia nenhum folheto com a formatação do nosso Cordel. Essa literatura de cego, com toda essa papelada pendurada no cordel em Portugal, passou a ser conhecida como: “Literatura de cordel”.
Histórias se contam desde o primeiro casal da humanidade, de forma oral e mais tarde, também de forma escrita e ou lida. O nosso Cordel, a princípio, era conhecido como “romance” ou “folheto” e de repente virou Cordel, ou estranhamente, Literatura de Cordel. Talvez o Cordel, por ter genitores muito simples, não poderia estar junto aos seus irmãos do mesmo gênero na literatura oficial. O preconceito criou uma segunda literatura brasileira. Uma literatura marginal. De um lado a literatura, dita, erudita ou oficial e de outro a literatura de Cordel. Aquela que sendo migrante das caatingas, ou aquela que de forma encantada ou mágica ensinava literatura aos excluídos dos bancos das escolas públicas, aos semianalfabetos e muito mais aos alfabetizados. Tudo isso de forma democrática. A magia da literatura dos versos contadores de causos pulverizava sementes literárias no solo fértil da imaginação de todos os sedentos de conhecimento e de aprendizagem, gratuitamente e sem qualquer preconceito. A natureza do nosso Cordel era a própria essência da alma do nosso povo. O Cordel apesar de ser um gênero literário, posso me arriscar a dizer que tem, em sua alma, a mesma sina da maioria dos nordestinos. O Cordel migrou para o norte, sul, leste e oeste, peregrinou e sobreviveu trilhando caminhos a margem da literatura oficial. Jamais teve permissão para adentrar as páginas de uma antologia da literatura brasileira, ao lado dos seus irmãos: O soneto e a trova.
O cordelista é um esterno mortal para os imortais. 
Os órgãos públicos e a mídia quando procuram os poetas cordelistas, oferecem como pagamento a moeda: “$visibilidade$” em troca de apresentações, manifestações literárias, declamações e palestras sobre a tal “literatura de cordel”, a marginal nordestina ou coisa semelhante.

O poeta cordelista vive de brisa! Porque precisaria de dinheiro?
A novela da grande mídia usa o nome de Cordel e gera renda, mas na verdade não se vê um cordelista que ganhou alguma coisa. Você também não vê nada de Cordel no conteúdo da novela, mas mesmo assim, o uso da palavra Cordel gera renda na mídia. Até tem o: “vale a pena ver de novo” para gerar mais renda!
O Cordel tem mais de um século, consta até no currículo escolar, tem editoras, poetas cordelistas, folhetos e livros de todas as formas publicados e ainda querem pagar os serviços de um Cordelista com a moeda da visibilidade. Nada disso aconteceu com os poetas do soneto e ou da trova. O preconceito aparece até na origem do nosso Cordel.
O primeiro Cordel, criado, formatado, lido e publicado em Recife por Leandro Gomes de Barros, nascido na Paraíba, não é brasileiro?
“Com curadoria de Alexei Bueno, a mostra exibe exemplares do acervo do professor Arnaldo Saraiva, catedrático de Literatura da Universidade do Porto e sócio-correspondente da Academia Brasileira de Letras. “
“É uma das maiores coleções privadas dedicadas ao cordel. Ao todo, são 4.500 exemplares brasileiros e 870 portugueses – lembrando que a produção do Brasil ainda segue, enquanto a de Portugal terminou nos anos 1960.”
“Os cordéis portugueses hoje têm status de raridade, porque desapareceram com o progresso, enquanto os brasileiros se espalharam pelo País inteiro”, afirma Bueno. “Ao ver os exemplares de lá, fica imediatamente clara a influência na produção daqui, inclusive graficamente. A diferença é que, enquanto o cordel brasileiro é feito em poesia, o português também tem prosa e textos dramatúrgicos”.


A única notícia de cordéis portugueses que parece existir se refere ao texto acima. Toda forma literária de contar histórias na época da “Literatura de cego” ´(Literatura de cordão – cordel), é chamada de cordel: publicações em prosa na maioria, poemas, versos sem formas fixa de estrofes. Nada disso é o nosso cordel brasileiro, isso é ou foi o cordel de Portugal, o nosso cordel tem regras próprias e é aquele que se chamava “romance” ou “Folheto”, tanto que os poetas eram conhecidos como folheteiros – vendedores de folhetos de romances brasileiro.
Algumas histórias vieram de Portugal? 
Sim. Muitas histórias que vieram do oriente cruzando os mares, passaram por Portugal e chegaram até o Brasil dentro das malas dos colonizadores ou foram contadas de boca em boca. Muitas foram adaptadas para os versos do nosso antigo romance. Ainda, assim, essas histórias contadas ou escritas em prosa, adaptadas para o cordel, podem influenciar, mas não mudar a origem do nosso cordel. O nosso antigo romance só tem, por algum acidente, o mesmo nome do cordel de Portugal – aquela “literatura de cegos” – Cordel Português. O Cordel brasileiro é uma única forma poética fixa de contar histórias.

“... Segundo Luís da Câmara Cascudo, no livro Vaqueiros e cantadores (Porto Alegre: Globo, 1939. p.16) os folhetos foram introduzidos no Brasil pelo cantador Silvino Pirauá de Lima e depois pela dupla Leandro Gomes de Barros e Francisco das Chagas Batista. No início da publicação da literatura de cordel no País, muitos autores de folhetos eram também cantadores, que improvisavam versos, viajando pelas fazendas, vilarejos e cidades pequenas do sertão. Com a criação de imprensas particulares em casas e barracas de poetas, mudou o sistema de divulgação. O autor do folheto podia ficar num mesmo lugar a maior parte do tempo, porque suas obras eram vendidas por folheteiros ou revendedores empregados por ele.”
Silvino Pirauá de Lima foi o primeiro a adaptar um romance em prosa para os versos. Até ai nada havia acontecido com o surgimento da ideia do nosso cordel, romance em verso com regras definidas, impresso num folheto para ser lido e ou vendido. Não havia ainda a figura do Poeta Folheteiro, Cordelista.
Leandro Gomes de Barros, que desde cedo, já era órfão, ainda jovem, provavelmente fugiu das graças da igreja do seu tio padre, migrando para o Recife. Levava uma vida solitária, com certeza, com sérias dificuldades para sobreviver. 
Leandro criou uma história em versos setissílabos e estrofes definidas em sextilhas (posteriormente, suas obras foram escritas em sextilhas, setilhas e algumas em décimas com versos em sete sílabas poéticas) e ao ler para ouvintes, descobriu que poderia ganhar dinheiro imprimindo suas histórias em folhetos simples (uma folha sulfite A4 dobrada e redobrada formaria 8 páginas com 32 sextilhas).

A ideia do nosso romance em versos gerou uma profissão no Brasil pelas mãos de Leandro. Por necessidade, ele inventou o Folheteiro (cordelista no Brasil). Inventou o nosso próprio folheto em versos com suas regras de: Estrofação, métrica, rima, ritmo e oração. A ideia de contar, ler, declamar versos e histórias, não é do Brasil, não é de Portugal, é um hábito que vem desde o princípio da humanidade.
A ideia do nosso folheto com uma forma exclusiva, fixa poética de contar histórias é de Leandro, o paraibano. O Cordel não é contado de qualquer forma, com qualquer forma de verso e estrofe, o cordel tem as suas regras definidas e imutáveis. Com essa ideia ele sobreviveu e sustentou sua família. O nosso Cordel com suas regras imutáveis nunca existiu antes de Leandro.
O romance adaptado para versos de Pirauá, jamais provocaria a ideia de uma forma de ganhar dinheiro a não ser dentro de um livro de poesias de algum poeta famoso. O que só acontece com alguns poetas contados nos dedos das mãos, no caso dos poetas do Brasil. O feito de Pirauá jamais chegaria a criação de uma forma de folheto para: Imprimir, ler, vender, contar histórias e encantar. Folheto é hoje conhecido por Cordel, simplesmente porque alguém se lembrou de algum papel preso com prendedor no cordel (cordão português) enrolado no corpo de um cego em uma determinada época de mais de cem anos atrás, em Portugal, ou porque o nosso folheto era bom demais para continuar com o seu próprio nome brasileiro: romance ou folheto. São nomes brasileiros. O brasileiro tinha que dar um nome estrangeiro, ou melhor, um nome do próprio idioma, mas que é, usualmente, usado em outra nação.
Como poeta eu me recuso ao silêncio.

Um poeta tem compromisso com a boa cultura e o esteio principal da boa cultura é a verdade.
Se um dia me apresentarem, comprovadamente um genuíno folheto de cordel português, com a mesma formatação dos Cordéis de Leandro, publicado antes de Leandro, eu serei o primeiro a contar cantando aos quatros ventos, a verdadeira origem do Cordel. Nesse caso Leandro Gomes de Barros passaria a ser, para mim, um dos nossos melhores escritores do cordel Português e não mais, o criador do Cordel Brasileiro. Ficaria muito feliz em ver as estruturas nojentas do meu ego desabarem. O homem que consegue destruir o seu próprio ego, restaura o verdadeiro individuo do seu ser. Volta a ser uno. Enquanto isso não acontece, não me renderei as chorumelas, falácias ou hipóteses empíricas, em razão da permanência da minha zona de conforto, ou para agradar ou desagradar a outrem. Que bom que o IPHAN voltou os olhos para o nosso Cordel e assumiu. 


Somos vira-latas, mas antes de sermos vira-latas somos uma nação chamada Brasil. Por falta de incentivo ou vergonha, não temos uma bandeira na parede da sala da nossa casa, como se vê na sala da casa de cada americano, mas temos o dever cívico de alimentar o sentimento de amor a nossa pátria, que há muito tempo e ainda hoje, “tão-mal-amada” pelo majoritarismo político sem a real noção do certo e do errado, da mentira e da verdade, do sentimento de patriotismo.

Josué Gonçalves de Araújo
Poeta Cordelista e editor
São Paulo/agosto/2019

Era uma vez ... um Cordel - compre já que eu garanto a sua entrega



Coletânea de Cordéis Infanto/juvenil

O Cordel do Pavão Misterioso foi uma das histórias que minha Avó me contou, a luz de lamparina, quando eu tinha apenas, sete anos de idade. 
Ela não sabia ler, mas de tanto escutar, havia decorado muitas histórias de Cordel que ela sempre chamava de “Romansos”. 
Essas histórias definiram os meus caminhos na vida. 
Hoje eu sou um daqueles escritores das histórias que a minha Avó contava.
Era uma vez um “Romanso”...



Trecho de: O Pica pau malvado e o Grilo falante
...

Era uma vez na floresta
Um grilinho falador
Que encantava os ouvintes
Com seu dom de orador,
Mas além de bem falante
Também era um bom cantor.
Certo dia sem querer,
Estando longe de casa
Tomou chuva avoando
E para secar a asa
Foi esconder-se num oco
De profundidade rasa.
Compre sem frete por 35,00
O Cricrilim não sabia
Que naquele oco rasinho
Do tronco da velha árvore
Morava um bicudinho
Chamado de pica-pau
Com cara de cruelzinho.
Como todo bom cantor
O grilinho acomodado
Abriu o bico e cantou
O seu belo cricrilado,
Sem saber que alertou
O tal pica-pau malvado.
Pica-pau chegou valente
Cravou o bico no grilo
Igual cão em carne seca.
Por causa desse vacilo,
Ficou o grilo, enrascado
Naquele novo asilo.
...
Como é que o Grilo vacilão vai sair dessa enrrascada?
Trecho de mais um cordel da coletânea: A fadinha Lara e a pedra estrelada
...
Era uma vez... Eu já estava
Dormindo e ressonando
Na rede da minha sala,
Quando ouvi alguém chamando:
“Vovozinho Dubidú,
Você está me escutando? ”
Assustei-me, ainda ouvindo
Aquela doce vozinha
Que vinha da minha estante,
Onde brilhava a pedrinha.
Olhando mais de pertinho,
Vi lá dentro uma fadinha.
— Vovozinho Dubidú
Você está me ouvindo?
— Estou ouvindo e vendo,
Mas eu devo estar dormindo!
Também não sou Dubidú,
Deve estar me confundindo!
— Eu sou a fadinha Lara,
Procurando uma mãezinha,
Filha de um Akpalô,
Desses que conta historinha
De princesa e de magia,
Para qualquer criancinha.
— Procure em outro lugar
Uma mamãe disponível,
Porque, eu não sou mamãe,
Creio que isso é bem visível.
Conversar com uma pedra
Para mim, já é incrível!
...









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