quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Inferno sem pavor (Josué G. de Araujo)

Devo a vida ao instinto
Nessa tal sobrevivência!
É assim que todo dia,
Sobrevivo à existência.
O instinto é quem me salva,
Despertando-me na alva.
Ter a alma de escritor
É entregar-se no deslumbre,
Com a paz só de vislumbre
Num inferno sem pavor.

O tédio é sufocante
E a poesia é salvadora
— Colírio paliativo! —
Grande amiga animadora.
Mas o barco majestoso
Nas águas do mar colosso,
Deriva sem horizonte,
Com bússola sem ponteiro
E o leme sem marinheiro.
O céu parece defronte!

No espelho a imagem,
É você se avelhantando.
Naquele corpo estranho,
Matéria sempre oxidando
E o disparate da vida,
A dor na alma sentida,
É que o corpo envelhece,
Mas a eterna criança
Conserva a esperança,
Vivendo, não se esmorece.

Em total catalepsia,
Com sua plena consciência,
Olhando pelas janelas
Diante dessa incoerência,
A figura envelhecida,
No espelho, desvanecida,
Insiste em ser você.
E o espírito imortal,
Permanece jovial,
Escravo, sempre a mercê.

As pessoas ao redor
Augurando como corvo,
Querem livrar do entulho,
Do improfícuo estorvo.
O espírito amordaçado
Oculto e agrilhoado,
Num paradoxo da vida:
Se, lá dentro ele evolui,
La fora o corpo dilui
Corrompendo a guarida.

No interior da carcaça
Um sábio em letargia
Tem que dormir acordado
Pra cumprir a profecia.
Sufocando seu desejo,
Vivendo só de sobejo,
Engolindo muito sapo,
Achando na solidão
Abrigo e proteção,
Sentindo-se como trapo.

Nessa furna de dois olhos
Contemplando a beleza,
Se cumpre a penitência,
A sanção da natureza:
Medida de repressão,
Visando a evolução,
Da sua própria essência,
Uma questão do espírito
Que lhe parece esquisito,
Sem você ter consciência!

Mesmo assim, você deseja
Tudo o que não pode ter.
Seus sonhos são impossíveis,
E você tenta esquecer!
Lá dentro, puro sadismo,
Lá fora, só masoquismo.
O belo fica mais belo
E a beleza é negada.
A velhice é descartada,
Para um mundo paralelo.

É realmente sufocante
O tédio da existência.
O espírito é cruel,
A vida é incoerência,
Uma absurda imposição,
Com arbítrio por opção:
— Ou a vida ou a morte —
Se a vida, pegue a enxada
E, se a morte, resta à espada.
É um jogo de esporte.

As águas correm pro mar
Por força da natureza.
Nada impede o seu caminho,
Não importa a profundeza.
Voando em nuvens no céu,
Correndo na terra ao léu
Adentrando pelas veias,
Nas artérias da terra,
Pelas estrias da serra,
Descendo sem quaisquer peias.

O planeta deflorado,
Conseqüência do progresso,
Pra salvar a humanidade
É o que diz qualquer congresso.
Quando a terra se queimar
E o verde se acabar,
Tudo estará terminado,
Vamos ser anjos sem asas,
Viver no inferno sem casas,
Com o Diabo malvado.

Extinção lá no inferno,
Esse risco, ninguém corre.
O céu já foi destruído
Por culpa de um grande porre:
Quando os anjos rebelados
Foram então engabelados,
Pela farsa da ambição,
O céu foi todo manchado.
O Diabo já alertado,
Cuidou da preservação.

Miríades exiladas
Do seio da divindade,
São sementes no astral
Que nascem na humanidade.
Infiltram-se na matéria,
Ocultando-se na artéria
Do humano sem juízo.
Usando desse instrumento,
Através do nascimento,
Retornar ao paraíso.

Toda manhã, de manhã
Embora o céu bem sereno
Sempre creio que o dia
Será de sol mais ameno.
Mas se pinta um temporal
Como guerra angelical,
E a procela brame forte
Temo que um raio certeiro
Atinja meu corpo inteiro
Rezo então, para ter sorte.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Carta do escritor "Medalha de Ouro" do Clube do Livro para o Cordelista Josué Araujo

São Paulo, 04 de setembro de 2010.

Caro Josué G. de Araújo

Com a Literatura de Cordel você encontrou realmente o seu caminho criativo em O Mistério da Pele da Novilha você reafirma e mantém o nível alcançado em seu folheto anterior, O Coronel Avarento, tanto na temática quanto na preocupação formal. Nos dois você soube se utilizar de certos mitos para construir o seu universo ficcional, dando-lhe assim um significado maior, sem a necessidade dês se deter em explicações sobre os mecanismos predominantes das relações humanas.
No comentário que fiz sobre seu primeiro folheto, apontei o fato de você fazer do Coronel Avarento um verdadeiro judeu errante, condenado a viver eternamente na materialidade para os seus crimes. Não por coincidência, neste seu segundo trabalho o personagem Severino tem a mesma sina, só que lhe é dada a possibilidade de se redimir através de uma troca de solidariedade bem cristã. Meus parabéns pela coerência formal e de conteúdo. Se você havia usado bem as estrofes de sete versos, agora o faz bem com as de seis versos. Está se tornando um mestre na arte de narrar versejando. Persista.
Sem querer ser chato, relembro que, antes de você, alguém já disse ser o cordel “um estilo dês vida”. Em 1972, na “Revista Brasileira de Folclore”, Rio de Janeiro, jan/fev, Mark J. Curran disse: “Quando uma pessoa lê folhetos, da Literatura dês Cordel, faz muito mais do que apreciar a poesia do povo. O leitor pode perceber um estilo de vida visto não só nos versos, mas também na apresentação total do poeta popular, sua ideologia e sua personalidade como poeta e comentador da vida do povo”. Esse comentário foi reproduzido numa antologia organizada por José de Ribamar Lopes, Literatura de Cordel, 2ª edição de 1983, nas páginas 673 e 677.De onde se vê a autenticidade de sua dedicação ao Cordel, como gosta de dizer.Muito mais eu teria a comentar sobre seus dois folhetos no gênero, mas fico por aqui. Tenho certeza que os especialistas terão muito mais a dizer sobre eles, pois estão a merecer.
Receba o abraço fraterno do

Benedicto Luz e Silva

No centro da São Paulo, no edifício da Paz, eu subo pelo elevador de porta sanfonada de antigamente, até o segundo andar. Por um longo corredor em forma "L", eu percorro alguns segundos ansioso e após passar por várias portas fechadas, bato na penúltima porta. Meia porta se abre porque a sala é pequena e repleta de livros. Entre eles, esta o mestre Benedicto com os seus cabelos branquinhos. É sempre com alegria que me recebe. Começa ai o dialogo literário. Falamos da vida de Machado de Assis, Mário de Andrade, do amigo pessoal do mestre - Jorge Amado e outros. Brasileiros ou internacionais, não importa, o mestre tem intimidades com todos eles. brigamos muito e ele sempre espera que eu não volte mais por causa da suas rebeldia ou discórdia. Eu sempre volto e sempre repito: Mestre, eu voltarei sempre, não importa as nossas desavenças literárias. O expediente do Mestre termina ao meio dia. Depois de alimentar a alma, o Mestre volta para sua casa.

Eu o conheci por indicação de um conhecido dele. Alguém me disse que havia um escritor solitário em uma sala do edifício. Eu exigi que ele me levasse até a sala e me apresentei ao escritor. Começou assim a nossa amizade. Descobri também que ele era conhecido de um dos meus concunhados de Natal. Nem sei o quanto aprendi com ele...

Josué.

Escritor e Editor:Benedicto Luz e Silva

1º lugar (Medalha de Ouro) no segundo concurso para a outorga do "PRÊMIO NACONAL CLUBE DO LIVRO'
Com o livro; "Um corpo na chuva" - Romance com 150 Pg.
Editora Clube do Livro Ltda - 1972.

Publicou mais des 500 títulos de vários autores pela sua editora pessoal.

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