domingo, 6 de fevereiro de 2011

"Quem tem padrinho, não morre pagão" - Ainda sobre o concurso Literatura de Cordel

Extraido do blog: http://sentaapua.blog.terra.com.br/domingo, 6 de fevereiro de 2011

"Esta semana recebi uma carta de amigo de São Paulo, o escritor Benedicto Luz e Silva,a qual transcrevo na integra para conhecimento das coisas que acontecem estranhamente nos bastidores da república."


São Paulo, 24 de janeiro de 2011.

Prezado amigo Monoel Marques - do Blog: sentaapua.blog.terra.com.br .

Um “amigo em comum”, que não nomeio por não estar autorizado, trouxe-me no final do ano passado a boa notícia de que o Josué, nosso amigo, havia recebido o primeiro lugar num concurso nacional do Ministério da Cultura para literatura de cordel. Sem conhecer o seu texto, eu e esse “amigo em comum”, concordamos ter sido um reconhecimento justo ao seu já longo trabalho em prol da cultura popular neste País. Quis escrever-lhe dando meus parabéns, mas as correrias do fim do ano impediram.
Na entrada de 2011, eis que nosso “amigo em comum” que você sabe quem é entra pela porta de meu escritório todo esbaforido, exclamando:
— Cesse tudo o que a antiga Musa canta, que outro valor mais alto se alevanta!
Quando lhe pedi explicação para aquele entusiasmo todo, retrucou:
— Entusiasmo, não! Revolta! Você não soube o que fizeram com o Mestre Josué? Azularam com o seu “primeiro” lugar no concurso do Ministério da Cultura. Agora ele é o “segundo”.
— Como assim? Juro que não estou entendendo. Transformaram a água em vinho?
— Quase. Aplicaram a máxima de Jesus de que os últimos serão os primeiros. Oitenta eram os premiados, até que descobriram que o (102º) centésimo segundo colocado, o desconhecido José João dos Santos, era na verdade Mestre Azulão. Esqueceram-se de outra máxima de Jesus, que diz que muitos são os chamados, mas poucos os escolhidos, e fizeram justiça com as próprias mãos. Dizem que foi para corrigir uma grande injustiça. Só que cometeram duas outras: passaram para trás Mestre Josué e excluíram o (80º) octogésimo colocado. Não anularam o julgamento anterior, apenas desrespeitaram a Comissão Julgadora, que ficou com a pecha de incompetente, por não ter sido capaz de reconhecer em José João dos Santos o Mestre Azulão.
— Todo esse procedimento estava previsto no edital do concurso?
— Não. O Ministério da Cultura apenas cedeu a grita geral daqueles que acharam um desaforo que uma lenda viva do Cordel como Mestre Azulão tivesse sido passado para trás por tanta gente sem o seu inigualável currículo.
— Quer dizer: reprovaram o texto de José João dos Santos e deram o (1º) primeiro lugar ao inexcedível currículo de Mestre Azulão. Muito estranho e irregular. Bem fazia o rei Davi, que pedia para cair nas mãos de Deus e não nas mãos dos homens. Cumpriram o que propôs o rei Salomão: dividiram a criança ao meio. E os dois prejudicados, o 1º e o 80º, como reagiram?
— Mestre Josué, você sabe, é um cavalheiro e um verdadeiro cristão: ofereceu a outra face, ou seja, aceitou que Mestre Azulão se sentasse no trono, ficando ele como acólito. Ao (80º) octogésimo colocado, agora excluído, recomendo que apele à Justiça com um mandado de segurança ou qualquer outro tipo de ação cautelar, mas não sei o que ele decidiu, ou como reagiu. Eu é que não me conformo. Dizem que os cordelistas ficaram surpresos com o fato de um paulista, Josué Gonçalves de Araújo, ter sido premiado com o 1º lugar num concurso de Literatura de Cordel, quando havia ali um paraibano de peso, daí a reviravolta que foi dada. Dizem que era o mínimo que poderia ser feito para se corrigir a injustiça. Perguntei a um deles se tinha lido os textos de Mestre Josué e de Mestre Azulão para que tivessem tanta certeza de ter sido feita justiça, e ele me respondeu que “isso não tem a menor importância…” Aplaudem até hoje o que fez Cassiano Ricardo com Cecília Meirelles, ao lhe dar um prêmio da Academia Brasileira de Letras, “sem ler” os trabalhos dos outros concorrentes.
— Victor Hugo dizia que são exatamente os livros que nós não lemos que mais nos comprometem.
— Eles ignoram quem é Mestre Josué. Não sabem que desde garoto vem se dedicando à literatura popular brasileira. Com sua avó baiana, aprendeu os ritmos todos das narrativas em versos, que veio depois a aprimorar com o Prof. Paulino Rolim de Moura. Este, premonitoriamente, diagnosticou ser ele essencialmente um poeta, levando-o a passar dos contos e dos romances para o Cordel. Só por não ter ainda fama, praticaram essa autêntica capitis diminutio jurídica e intelectual. É aquilo de fazer a fama e dormir na cama. Josué Gonçalves de Araújo ganha de José João dos Santos, mas Mestre Azulão ganha de Mestre Josué. Sabe com quem esta falando?
— Eu aconselharia a Mestre Azulão a assinar daqui para frente José João Mestre Azulão dos santos, que pelo jeito não perderá mais nenhuma eleição ou concurso. Quem tem padrinho, não morre pagão. Uma vez vi o Tom Zé entrar no palco sem ser anunciado. Não tendo sido reconhecido, ao começar a cantar, foi sonoramente vaiado. Charles Chaplin participou anonimamente de um concurso para imitadores de Carlitos e tirou apenas o terceiro lugar. Se isso tivesse acontecido aqui no Brasil, na certa teriam corrigido a “injustiça”, e dado a ele o primeiro lugar, que, entre nós, quem pode mais, chora menos.
— Já aconselhei a Mestre Josué acatar os dois resultados: num, ele em 1º lugar e José João dos Santos em 102º; no outro, Mestre Azulão em 1º e ele em 2º. Não acha que estou certo?

Só pude concordar.

Abraço.

Escritor e Editor: Benedicto Luz e Silva

1º lugar (Medalha de Ouro) no segundo concurso para a outorga do
“PRÊMIO NACIONAL CLUBE DO LIVRO’
Com o livro; “Um corpo na chuva” - Romance com 150 Pg.
Editora Clube do Livro Ltda - 1972.

Publicou mais de 500 títulos de vários autores pela sua própria editora:
Editora do Escritor - Rua Barão de Itapetininga, 262 sala 227 – São Paulo-SP

Um comentário:

  1. Eu não sei de onde surgiu essa história de Mestre Josué, mas sei que Mestre mesmo, só o azulão.

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